sexta-feira, 31 de julho de 2009

Fora de ordem

Respiro fundo, e consigo sentir o cheiro de café, panquecas e burritos queimados no fogão elétrico. Eu sempre queimava meus burritos, porque eu esquecia que eles tavam lá em cima. E demoravam a esquentar, então eu simplesmente deixava lá e esquecia. Depois eu me lembrava, claro, quando o cheiro de queimado denunciava, e era impossível passar despercebido.

Às vezes eu me surpreendo com a nitidez de certas lembranças. Em como eu consigo fechar os olhos e me transportar para os momentos em que eu atravessava o pátio, sentindo o cheiro de grama recém-cortada e tinta fresca do prédio novo. Em como eu conseguia me perder tantas vezes pelo complexo. Eu estava acostumada a caminhar por lugares grandes, então qual era o meu problema?

Eu adorei o fato de ser tudo muito verde. De ter tantas árvores e, dessa vez, me lembrar mesmo do ambiente americano. Me senti confortável, embora não por muito tempo. É incrível como as coisas mudam tão de repente, sem aviso prévio.

Ainda sinto falta de muita coisa. Falta como um grande vazio, como se aquilo fosse meu para sempre, como se eu nunca tivesse saído, como se eu nunca tivesse voltado. É estranho quando tudo parece sonho. Isso não é muito bom. Sempre foi um sonho, até deixar de ser. E muitas vezes, o que eu vejo parece tão irreal, tão perdido. Cadê o concreto? As fotos, objetos, memórias, isso não me basta. Eu preciso sentir que foi de verdade.

Olhei, vi um carro ou dois passando pela estrada de barro. Trucks, o que mais seria? O frio, a chuva, o gelo, o pasto, os bois, as placas de 'pare' solitárias não tinham em quem mandar. Aonde estavam os meus vizinhos? Aonde estavam as pessoas, pelo amor de Deus? Sufoquei.

Não pude evitar que o proibido me parecesse incrível. No momento, eu não vi erro, não vi descuido, não tive preocupações. Não precisava de nada daquilo. Precisava de alguma coisa, qualquer coisa, que me fizesse sentir viva. E assim o fiz.

Como as coisas lá em baixo pareciam as mesmas. Tudo tão pequeno, tão igual. Eu ia gostar? Eu ia odiar? Eu ia o quê exatamente? Chorei ouvindo alguma música. Tirei os fones do ouvido, e enxuguei minhas lágrimas idiotas. Eu não queria chorar, mas eu não tinha ninguém pra me julgar ali. Eu estaria indo pra casa? Ou saindo de casa? Já faz tanto tempo e eu ainda não sei o que dizer.

E eu não posso ficar bêbada? Pfff, me poupem, eu estava saindo do meu suposto inferno. Joguei mesmo, bebi mesmo, dancei mesmo, beijei mesmo. Inventei regras absurdas para acompanhar o duendezinho verde que a gente não podia esquecer de tirar de cima da cerveja. Essa regra idiota me fez beber mais do que deveria. Quem diabos se lembra de tirar um duende antes de beber?

Não sei quando eu vou superar por completo as minhas falhas, que não foram exclusivamente minhas. Se eu me sinto culpada? Sim. Quem sabe o que o meu eu de hoje mudaria? Não é assim tão simples quanto parece. Se isso é trauma? Não, não. É no mínimo um enorme aprendizado.



P.S.: Não há concordância temporal nesse texto. São pensamentos que podem ou não fazer sentido.








4 comentários:

  1. Agora faz (algum) sentido hwushuws :)
    Beijo C:

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  2. Às vezes eu me surpreendo com a falta de nitidez de algumas memórias, ou melhor, com uma nitidez estranha que parece de mentira. Você já teve a impressão de não saber se alguma coisa aconteceu realmente com você ou se você tá só inventando aquilo?

    É mais uma das coisas que a gente precisa conversar...

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